Fotógrafas brasileiras, mulheres artistas – aonde elas estão?

Por Yara Schreiber Dines – antropóloga visual e urbana

Imagem acima, trabalho de Cris Bierrenbach


A mulher sempre teve participação histórica na fotografia, seja no exterior, quanto no Brasil. O estúdio fotográfico, como uma empresa familiar, possibilitou a inserção da mulher na fotografia, porém não detalhava minúcias de sua produção, inserindo o crédito ao ateliê e não ao artista.

O lugar da mulher no estúdio fotográfico era o da invisibilidade, como uma sombra do homem que dirigia seu negócio, permanecendo esta condição, até mesmo após a morte do marido, quando esta passava a comandar o estúdio, com o estigma da denominação viúva – exemplo Viúva Pastore, esposa de Vincenzo Pastore (IBRAHIM, 2005), nunca possuindo a própria individualidade.

A presença feminina nos bastidores do ateliê fotográfico era uma constante desde a invenção desta linguagem. As mulheres integravam o universo da fotografia como retocadoras, fotocopiadoras, ou assistentes, trabalhando como laboratoristas e na montagem de fotografias em diversos tipos de suportes e estojos.

Dentro deste contexto, a única exceção foi Gioconda Rizzo, fotógrafa pioneira, em São Paulo, pois abriu o ateliê Femina, em 1914, que durou até 1918. No ateliê, ela somente atendia mulheres e crianças, fazia retratos e fotoacabamento. O ateliê foi fechado por pressão do pai e do irmão, por ela também ter passado a atender cortesãs polonesas e francesas.

@Gioconda Rizzo

Em São Paulo, a situação da mulher na fotografia vai mudando, a partir dos anos de 1930, quando mais fotógrafas passam a ser retratistas, meio inicial de se inserir no mercado, sendo que, com o passar do tempo, cada uma buscou seguir uma trajetória – curta ou longa – sempre buscando soluções alternativas, num mercado competitivo.

Desde a década de 1950, até meados dos anos de 1990, o foco principal dos fotógrafos e fotógrafas brasileiras foi a paisagem humana nacional, de acordo com Tadeu Chiarelli, curador e crítico de arte (1997). Conhecidas fotógrafas brasileiras, ou que assim se tornaram, como Cláudia Andujar, Maureen Bisilliat e Nair Benedicto – situam-se dentro deste recorte que abrange temáticas como tribos indígenas, seus modos de vida e rituais, vaqueiros no interior de Minas, trabalhadoras nos manguezais, festas e ritos afro-brasileiros, cotidiano das mulheres,  operariado nas metrópoles, movimentos sociais no país e jovens marginais em instituições fechadas, dentre outros. Dentro do universo temático apontado, é importante salientar que se encontram as expressões/vertentes documental e a artística. Por outro lado, ressalta-se que, a partir do início da década de 1990, a problemática identidade/não identidade marca a fotografia artística no país. Após a configuração deste breve panorama na linguagem fotográfica, no Brasil, destacamos que, ainda inexiste, de fato uma memória do trabalho e da atuação das fotógrafas brasileiras e, mesmo, internacionalmente, há escassos estudos a respeito.

Na dimensão de gênero, destaca-se, que, internacionalmente, em 1976, foi organizada a primeira grande mostra de arte feminista “Women Artists – 1550-1950”, em Los Angeles, que marcou a história da arte, em virtude da sua abrangência e relevância. Algumas outras seguiram-na, mais recentemente, como “Elles”, no Centro Pompidou, em 2009, e a exposição “Qui a peur des femmes photographes? (1839 – 1945)”, respectivamente, no Museé de l´ Orangerie e no Museé d´Orsay, em Paris, no período de 2015/2016. No Brasil, recentemente, tivemos a exposição Guerrila Girls gráfica – 1985-2017, no Museu de Arte de São Paulo – MASP, em 2017 e a mostra de artes visuais “Mulheres radicais – arte latino-americana 1960 – 1985”, em 2018, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. No início de 2020, ocorre a exposição “Retratos de mulheres por mulheres”, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP, mas ainda se contam nos dedos, o número de mostras dedicadas às mulheres artistas e fotógrafas.

@Claudia Jaguaribe – Entre Morros

Será que não existem grandes mulheres artistas? Parafraseando o título do ensaio (Why have there been no great women artists?, Basic Books, 1971), de Linda Nochlin, reconhecida historiadora da arte feminista. Ou é porque ainda não há um registro substancial da participação das mulheres na história da arte e da fotografia devido ao fato que, durante muito tempo, estas não eram vistas como artistas, mas como amadoras? Outro aspecto é que ainda há poucas ações específicas nos arquivos públicos ou particulares com o recorte de gênero, seja nas instituições de memória no país. Enquanto que os Países Baixos, Estados Unidos e México organizam a memória de gênero, já há algumas décadas, no Brasil, somente desde os anos 1990 – porém esta agência ainda é insuficiente.    

No contemporâneo, as fotógrafas brasileiras estão presentes em muitas áreas desta linguagem como fotojornalismo, fotografia documental, “fine art”, fotografia de arquitetura, de publicidade, de teatro, de natureza, de esporte, dentre outras – sendo que estas mulheres artistas encontram-se disseminadas pelo país e nos mais longínquos espaços. Elas têm muito a nos narrar seja por meio da imagem ou pela oralidade sobre suas trajetórias e agruras profissionais.

É importante ressaltar que, há alguns anos, vem surgindo coletivos somente de fotógrafas – como o Nítida (Rio Grande do Sul, 2015), Mamana (São Paulo, 2016), Fotógrafas Brasileiras (Rio de Janeiro, 2016) e o YVY (Curitiba, 2016), por exemplo. Estes coletivos vêm ocupando um espaço principalmente nas mídias digitais e em alguns eventos de fotografia, divulgando o trabalho de fotógrafas jovens e maduras. Algumas destas fotógrafas se aproximaram em virtude de lutas sociais como a do desconto de 20% no bilhete de ônibus, em 2013, como as mulheres do Mamana, em São Paulo, ou mesmo para discutir temas afins de fotografia e gênero, socializar o trabalho e o olhar de mulheres fotógrafas de forma autônoma e sugerindo pautas independentes e coletivas. O foco principal destes coletivos é fotografia, política e feminismo, alguns deles aglutinam somente fotógrafas e outro, como o Nítida também agrega pesquisadoras. É um fenômeno recente no universo da fotografia, no Brasil, mas estão agitando o meio por problematizarem dificuldades no fotojornalismo, em virtude de um número mais reduzido de mulheres nesta área, por trazerem à tona a questão de uma maior participação de mulheres em júris e em editais de prêmios de fotografia, assim como por estarem registrando pautas mais específicas em relação à realidade social,  que se afinam com as suas perspectivas, associadas à minorias, gênero e violência de gênero, geração, relações afetivas  e devastação do meio ambiente, por exemplo.      

Neste artigo, selecionamos o trabalho de algumas fotógrafas para dialogar com o texto, como – Gioconda Rizzo (São Paulo), Cris Bierrenbach (São Paulo), Eliária Andrade (São Paulo), Cláudia Jaguaribe (Rio de Janeiro) e Bárbara Wagner (Brasília), no intuito de expor a qualidade de sua produção, a especificidade e criatividade de olhares em relação à temas tão diversos como fotomontagem, identidades de gênero, cultura popular, moradia em comunidade e cultura e modos de vida populares.

Disseminar o trabalho de fotógrafas jovens e maduras, por meio de publicação* ou exposições* é uma forma perene de enfatizar estes olhares e enfoques imagéticos de gênero, possibilitando o seu reconhecimento, valorização e empoderamento com a sua inserção na história da fotografia e da arte.

 

Yara Schreiber Dines é antropóloga visual e urbana, historiadora, curadora independente e editora de fotografia.
Pós-doutora em Fotografia – ECA/USP, pesquisadora associada do Grupo de Estudos Arte & Fotografia – ECA/USP, pesquisadora associada do Grupo de Estudos de Antropologia Contemporânea – Unesp Araraquara e membro do Coletivo Fotógrafos pela Democracia.  Autora dos livros Cidadelas da Cultura no Lazer – uma reflexão em antropologia da imagem do Sesc São Paulo (Editora do Sesc São Paulo, 2013) e Hildegard Rosenthal e Alice Brill (fotógrafas de além-mar, cosmopolitismo e modernidade nos olhares sobre São Paulo (Editora Intermeios, no prelo), além de ter realizado várias curadorias.

* A autora do texto está com o projeto de livro Fotógrafas Brasileiras – Imagem Substantiva e de exposições com a temática em processo de captação. Apoio: Rede de Produtores Culturais da Fotografia Brasileira, Agência Pulsar, Geledés e Grifo – Projetos Históricos e Culturais e do Coletivo Fotógrafas Brasileiras.

4 comentários em “Fotógrafas brasileiras, mulheres artistas – aonde elas estão?

  1. Maravilha !

    A mulherada se organizando e aparecendo !

    Parabéns a nós todas que fazemos parte dessa luta !

    Obrigada,

    Rosa

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  2. Muito boa a matéria. Acho fundamental mostrar estas invisibilidades.
    O link para os trabalhos da Cris Bierrenbach está quebrado.

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